Desenredo, Tutameia: terceiras estórias, João Guimarães Rosa, Editora Global.
Primeiro, para deixar claro, não gosto da palavra corno. Acho feia, pesada, deselegante. Embora goste da palavra unicórnio, pois sempre gostei dos seres fantásticos – em filmes e desenhos animados – que são denominados por ela. Mas, corno, não! Não gosto e pronto. Esta palavra poderia ser grafada com prefixo [con-]. E ficaria “concorno”. Mais bonita, não?
O fato é que para neologismo já demonstrei que não tenho talento algum. Deixo isso para o genial Guimarães Rosa. Aliás, toda essa lengalenga é para introduzir um personagem seu: Jó Joaquim. Do conto Desenredo, livro Tutameia: terceira estórias. Um personagem tão paciente, tão compreensivo que só comparado mesmo a Jó, aquele outro da Bíblia. Aquele que tudo sofreu, a tudo suportou em nome do amor.
Jó Joaquim também sofreu, também suportou em nome
do amor. Não por amor a Deus, como o leitor já deve ter intuído, mais por amor a Livíria, Rivília ou Irlívia, morena mel e pão. Olhos de viva mosca. Aliás, casada. Era um amor às escondidas, porque o marido se fazia notório, na valentia. Foi amatemático, alógico, o amor de Jó Joaquim.
O leitor deve achar que cometi um engano ao dizer que Jó Joaquim era o traído da história. Acontece que o trágico não vem a conta-gotas. Apanhara o marido a mulher: com outro, um terceiro… Hum!
Ora, a traição aqui não é da instituição casamento, mas sim do amor. Este sentimento, que muitas vezes, não segue regras, não reconhece convenções. E você leitor, assim como Jó Joaquim deve estar derrubadamente surpreso. No absurdo, como aceitar? Jó Joaquim proibia-se de ser pseudopersonagem, em lance de tão vermelha e preta amplitude.
Mas. Desenredo
O tempo é engenhoso. E com à Providência praz, o marido faleceu. Soube logo Jó Joaquim. Nela acreditou num abrir e não fechar de ouvidos. Casaram-se.
E você, meu amigo leitor (Se tiver algum leitor aí. Ora, será que tenho leitor?), me pergunta:_ Jó Joaquim casou com a traidora? Já aconteceu uma vez, a probabilidade de acontecer de novo é muito grande. E eu respondo: _ Sim, é verdade.
O abominoso é imprevisível. Mas, neste caso, não era tão imprevisível assim. Da vez, Jó Joaquim foi quem a deparou, em péssima hora: traído e traidora. De amor não a matou. Expulsou-a apenas. Jó Joaquim sentiu-se quase criminoso, reincidente.
Mais.
De sofrer e amar, a gente não se desafaz.
Nosso querido personagem entrou numa empreitada, eu diria quase impossível, redimir, remir. Aquilo que fora tão claro como água suja. Jó Joaquim operava o passado. Haja o absoluto amor – e qualquer causa se irrefuta.
Este texto foi publicado no JUNIPAMPA.