Essa terra é colocado pela crítica na caixinha dos romances regionalistas. E aí você já pode torcer o nariz, achando que é um livro menor.
Pois é, podemos até problematizar o conceito de regionalismo dentro do próprio romance, uma vez que os elementos regionalistas estão lá: os estereótipos, a cor local, o social. No entanto, esse conjunto de signos representativos da região sertanista é secundário dentro da obra, mas ao mesmo tempo estes elementos são funcionais. Eles estão presentes, mas com sentidos renovados.
No romance de Antonio Torres, escrito em 1976, acompanhamos a história de uma família de Junco, interior da Bahia, cujo filho mais velho, Nelo, migrou para São Paulo, em busca de uma vida melhor.
Torres usa o recurso de narração fragmentada, na perspectiva do personagem Totonhim, irmão mais velho Nelo.
Não tendo herdado um único palmo de terra onde cair morto, um dia pegou um caminhão e sumiu no mundo para se transformar, como que por encantamento, num homem belo e rico, com dentes de ouro, seu terno folgado e quente de casimira, seus ray-bans, seu rádio de pilha“
[ p.11].
Nelo é esperança da família e, de certa forma, de toda Junco. O narrador destaca que ele é “Um exemplo vivo de que a nossa terra também podia gerar grandes homens” [p.11].
Vinte anos depois, Nelo volta à sua terra natal e o povo de Junco o recebe como um herói. Totonhim narra que no dia que Nelo voltou
A casa logo se encheu de gente e ele se transformou em sorrisos
[p.24].
No entanto, Nelo volta com problemas financeiros, de saúde, a mulher havia fugido com outro, não podia ver os dois filhos. Por todos esses problemas, Nelo acaba se suicidando.
A morte de Nelo desperta a cidade. É pela voz de Totonhim que ficamos sabendo dos dramas familiares (pai, mãe, irmãos); as relações sociais em Junco; o contraste entre campo e cidade – Junco, Feira de Santana e São Paulo.
Uma galinha pintada chamada Sofraco, que aprendeu a esconder os seus ninhos. Um boi de canga, o Sofrido. De canga: entra inverno, sai verão. A barra do dia mais bonita do mundo e o pôr-de-sol mais longo do mundo. O cheiro de alecrim e a palavra açucena. E eu, que nunca vi uma açucena. Os cacos: de telha, de vidro. Sons de martelo amolando as enxadas, aboio nas estradas, homens cavando o leite da terra. O cuspe do fumo mascado da minha mãe, a queixa muda do meu pai, as rosas vermelhas e brancas da minha avó. As rosas do bem-querer:
— Hei de te amar até morrer.
Essa é a terra que me pariu.
— Lampião passou por aqui.
— Não, não passou. Mandou recado, dizendo que vinha, mas não veio.
— Por que Lampião não passou por aqui?
— Ora, ele lá ia ter tempo de passar neste fim de mundo?
[p. 13-14].
terra tão looooooonge. Estrada que vão e voltam, na voz que viaja légua e léguas, some na distância da imaginação
[26].
Diga a papai que isto aqui é muito difícil para quem já é velho. Ele não vai se acostumar. São Paulo não é o que se pensa aí
[ p. 69].
O pai perde as terras porque acreditou nos bancários. Ele fez o empréstimo e ainda acatou a sugestão deles: plantou sisal. Do investimento, o lucro esperado não se concretizou. O banco cobrou a dívida. Para não perder as terras, o pai vende para o irmão (tio de Nele Totonhim), paga o banco e gasta o resto com bebidas.
A história do banco foi outra encrenca maldita. Bem que o sogro avisou, pouco antes de morrer, e ao atender seu pedido para avalizar as promissórias, havia-lhe advertido: — Compadre, banco é treta. Banco escraviza o homem, como o jogo e a bebida. Compadre, pense bem. Você está tomando dinheiro, pagando juros, para contratar trabalhadores. E se você não tiver uma boa safra? Eles lhe tomam tudo, compadre.
[p. 78]