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Resenha || Morada das lembranças | Daniella Bauer

por Nilda de Souza

Em Morada das Lembranças, Daniella Bauer, uma senhora narra suas memórias da infância, quando tinha apenas sete anos. No prólogo, descobrimos que essas histórias são contadas para sua neta. Isso levanta a questão: seria a neta a adulta que narra a história da avó?

“Mas aquela menina minha, nascida um pouco de mim, filha do meu filho, a confidente. A escutadora atenta, minha herança, ela ficaria. E contaria minha história, pois a escrita retém aquilo que escapa pelas frestas da vida.”

A narrativa foca em Maria, uma menina judia de sete anos, que, junto com a mãe, Mahena, e o irmão bebê, é forçada a fugir da Rússia, temendo pela própria vida, como ocorreu com o pai.

Na época da fuga, a Rússia estava mergulhada em violência e perseguições civis, com os judeus como alvo principal. Em 1914, a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial trouxe desorganização econômica, fome e saques. A Revolução de 1917, que visava derrubar o czar Nicolau II, não trouxe as mudanças esperadas.

Maria descreve a noite da fuga: o frio, os corpos nas ruas, a travessia da Rússia para a Polônia, e a dura viagem de navio na terceira classe, onde a morte era uma realidade diária.

A avó já residia no Brasil, no Rio de Janeiro, mas isso não facilitou a adaptação da família. As relações entre mãe e avó eram tensas, e Maria não foi bem acolhida.

A adaptação foi difícil; muitos não a considerariam adaptação, mas sobrevivência. A família viveu com o mínimo, mudou de nomes e foi impedida de frequentar sinagogas ou praticar sua religião. Ter um sobrenome judeu era perigoso, e Maria passou a ser o nome cristão da menina.

Morada das Lembranças: temática da guerra ou a fuga dela pelo olhar da criança

A avó, uma mulher amargurada, desejava que a mãe de Maria se tornasse uma polaca, uma referência às mulheres do leste europeu que, ao chegarem às Américas, muitas vezes eram forçadas a se prostituir.

Maria teve que amadurecer rapidamente, assumindo responsabilidades adultas e cuidando do irmão quando sua mãe sucumbiu. Foram anos de servidão à avó.

Morada das Lembranças é um livro tocante e reflexivo. Porém, não leva cinco estrelas porque, em alguns momentos, há uma repetição temática. A obra é intercalada com reflexões sobre a condição de ser judeu, a guerra, os refugiados e o preconceito. Embora essas questões permeiem toda a narrativa, às vezes a sensação de repetição se torna evidente.

Isso, no entanto, não compromete a qualidade do livro. “Morada das Lembranças” é, sem dúvida, uma das obras nacionais de escrita mais elaborada que li este ano. A autora demonstra intimidade com as palavras, utilizando um vocabulário rico que confere fluidez à leitura.

“Quando nascemos judeu, cristão ortodoxo, anglicano, protestante, ou seja lá qual for nossa religião, ela diz muito mais de nossa vida que nosso próprio sangue.”

O mercado editorial possui muitos livros que abordam a guerra ou a fuga dela pelo olhar da criança. Confesso que sou fascinada por obras assim. É um adulto escrevendo com olhos de criança, o que requer uma sensibilidade extraordinária. Essa abordagem é cativante. Alguns podem argumentar que essa proposta já está saturada, mas, na minha opinião, um tema nunca se torna ultrapassado se a escrita do autor for genial. O tema do amor, por exemplo, é uma prova disso.

Por fim, é importante destacar o cuidado com a edição. As páginas e a capa apresentam uma estampa que se mescla ao texto, e apenas no final do livro compreendemos o significado das ilustrações. A Editora Biruta fez um excelente trabalho.

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Morada das lembranças

Daniella Bauer

Editora: Bitura
Número de Páginas: 200
Edição: 2014
Avaliação: ★★★ ★

* Book Tour Morada das lembanças
Sinopse:Através dos olhos de uma menina, o leitor acompanha a trajetória de sua família que, em meio à Revolução Russa de 1917, viu se obrigada a deixar para trás tudo o que conhecia e a empreender uma audaciosa e perigosa fuga rumo a um destino totalmente desconhecido. Com novas vidas e identidades, vê-se despertada pelas inúmeras perguntas que permanecem sem resposta. Mas, essa é a chave da morada. Não ter as respostas lhe permite seguir em frente e abrir todas as portas

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