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Resenha || A cabeça do Santo | Socorro Acioli

por Nilda de Souza

A Cabeça do Santo, Companhia das Letras, é o primeiro romance voltado para o público adulto da escritora Socorro Acioli, conhecida por seus livros infantojuvenis. Ao ler o título, inicialmente imaginei que o livro abordaria o messianismo, seguindo a linha das obras ligadas à literatura regionalista, que costumam apresentar a cor local e questões de pertencimento a um lugar e uma cultura, tudo isso em um conceito fechado. No entanto, já nas primeiras linhas, percebi que a autora consegue ir além dos estereótipos tão conhecidos — como beatas extremistas, cabra macho, chapéu de couro, mandacaru e sotaque forjado.

A narrativa é centrada em Samuel, filho de uma devota de Padre Cícero, São Francisco e Santo Antônio. Após a morte da mãe, Samuel inicia uma jornada a pé de Juazeiro do Norte até a cidade fictícia de Candeia, com objetivo de cumprir a promessa feita a ela em seu leito de morte: encontrar o pai e a avó, além de acender velas para os santos. Durante a viagem, ele enfrenta as dificuldades típicas de uma longa caminhada sob o sol implacável do sertão do Ceará.

Ao chegar a Candeia, Samuel encontra uma cidade quase fantasma, marcada por uma gigantesca cabeça oca de uma estátua inacabada de Santo Antônio, separada do corpo. Sem encontrar hospedagem, ele acaba dormindo na cabeça do santo, e a partir daí, algo inusitado acontece: Samuel começa a escutar vozes femininas quando está dentro da cabeça. Gradualmente, ele percebe que essas vozes são, na verdade, preces que as mulheres fazem ao santo.

Samuel tem dificuldades de estabelecer contatos na cidade, mas, devido à cabeça do santo, conhece Francisco, um jovem que logo se torna seu amigo. Juntos, decidem explorar o dom de Samuel, promovendo casamentos e outras artimanhas amorosas. Graças a essa habilidade, a cidade, antes deserta, começa a reviver, atraindo fiéis de todos os lugares. No entanto, esse renascimento não agrada a todos, e os inimigos de Samuel começam a elaborar planos para expulsá-lo.

A cabeça do santo: personagens e elementos mágicos

O que mais me agradou em A Cabeça do Santo foi o discurso sarcástico do protagonista em relação à religião, que pode ser considerado desprovido de fé. A questão religiosa é apresentada sob a perspectiva da comercialização da fé, sem a vinda de um novo messias. Samuel e Francisco, longe de culpar a terra ou um Deus vingativo pelos problemas da cidade, buscam apenas explorar a fé das mulheres que desejam se casar a qualquer custo. Há críticas sobre a inconsistência da narrativa e sobre a questão estética, que não alcança o realismo mágico, mas, em minha leitura, preferi focar nas escolhas da autora, que me encantaram. Por exemplo, o tom irônico nas críticas à construção da imagem dos santos para atrair fiéis, a corrupção política e a curiosa escolha de iniciar todos os capítulos com a letra “c”.

Gostei do livro. Talvez minha familiaridade com a cidade que inspirou a narrativa tenha contribuído para minha simpatia. Candeia é fictícia, mas existe uma cidade cearense chamada Caridade, próxima à BR 020, que possui um santo idêntico ao descrito por Acioli. Ademais, os problemas socioeconômicos e políticos de Candeia não estão distantes dos de Caridade. Embora o texto literário não mantenha uma relação de referência direta com o “mundo real”, no caso de A Cabeça do Santo, não consigo evitar essa conexão.

Por fim, vale mencionar que o livro conta com o aval de Gabriel García Márquez. A autora participou da oficina “Como Contar um Conto”, promovida por ele em San Antonio de Los Baños, Cuba. Este texto foi publicado anteriormente em Junipampa.

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2 comentários

Luiza Carvalho janeiro 26, 2021 - 10:03 am

Olá!
Adorei sua resenha, estou apaixonada por este livro e pela autora. História riquíssima, cheia de detalhes, muito bom.
Parabéns pelo seu trabalho!
Abraços!

Luiza Carvalho – Bauru/SP

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Nilda de Souza janeiro 30, 2021 - 6:48 pm

Obrigada, Luiza!
Eu também gosto muito dessa história.

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