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Resenha de Barba ensopada de sangue

por Nilda de Souza

Barba ensopada de sangue conta a história de um professor de educação física, que vai morar em Garopaba, balneário turístico de Santa Catarina, após a morte do pai. A mudança de cidade serve a dois propósitos: busca pela verdade no caso da morte do avô, o misterioso Gaudério, que teria sido assassinado décadas antes na mesma Garopaba; e afastar-se da relação conturbada com os outros três membros da família, mãe, irmão e cunhada.

Na nova cidade, o protagonista tem a companhia de Beta, cadela do falecido pai.  Aos poucos, o professor estabelece relações com alguns moradores: uma garçonete e seu filho pequeno, os alunos da natação, um budista dono de uma pousada e uma aluna de mestrado, que trabalha como secretária de uma agência de passeios turísticos. Para entender melhor o mistério da morte do avô, o professor vai reunindo pistas que gradualmente vão possibilitando entender melhor o passado do avô. Porém, esse processo de busca lhe permite, principalmente, a construção da sua própria identidade.

Barba ensopada de sangue é a segunda obra que leio de Daniel Galera. A primeira foi a Graphic Novel  Cachalote [Leia!] (com arte de Rafael Coutinho). Diferente de Cachalote, que exige mais atenção e um tempo maior em cada página devido as suas especificidades como, por exemplo, ausência de títulos, marcas explicitas de início e fim de episódios e traços gráficos, em Barba ensopada de sangue o ritmo de leitura é mais acelerado, em que apresenta um rigor descritivo quase visual, com diálogos ágeis, que revelam a habilidade de Galera em construir cenas, cenários e personagens. O mistério é um dos elementos que instiga à leitura mais ávida.

Vale ressaltar que, ao longo de toda narrativa, não é revelado o nome do protagonista, o que é bastante significativo para entendermos o processo de busca da personagem.

Outro dado curioso é o fato de o professor ser portador de prosopagnosia, uma rara doença que faz com que não reconheça rostos. Tal dado pode ser interpretado como um tema ligado aos conflitos relacionados às dificuldades que enfrentamos para entendermos ou reconhecermos os outros.

Também chama a atenção o fato da história se desenvolver no período chamado de baixa temporada turística. Aspecto que contribui para que a natureza/espaço de Garopaba desempenhe importante papel, em que, embora seja considerada o paraíso dos veranistas, há nela uma fatalidade geográfica. Os turistas que decidem morar no balneário acabam por não se adaptarem aos meses frios e chuvosos.

“Tudo que não é verão é inverno.” 

Barba ensopada de sangue: busca por identidade e memoria

Barba ensopada de sangue

“Todo mundo vem pra cá dizendo a mesma coisa, ela diz com suavidade. Só quero morar na praia. Só quero surfar. Só quero pensar na minha vida. Só quero aproveitar a natureza. Só quero escrever um livro. Só quero pescar. Só quero esquecer uma guria. Só quero encontrar o amor da minha vida. Só quero ficar sozinho. Só quero ter sossego. Só quero recomeçar. E depois as pessoas brigam, ficam deprimidas, quebram coisas, bebem demais, gritam muito, fazem orgia, usam drogas e desaparecem sem me pagar ou se matam.” 

O balneário paradisíaco é, ao mesmo tempo, beleza e melancolia, o que talvez explique a tendência mística dos moradores.

Resenha de Barba ensopada de sangue: mente e corpo

Fica a dica de leitura para os interessados em literatura contemporânea, ressaltando que, além dos temas já citados, Barba ensopada de sangue ainda aborda a busca pela unidade entre mente e corpo. Há também um tema que provoca comoção no leitor que é o consolo afetivo proporcionado pelo relacionamento entre o protagonista e a cadela Beta.

“Tu pode deixar pra trás um filho, um irmão, um pai, com certeza uma mulher, há circunstâncias em que tudo isso é justificável, mas não tem o direito de deixar pra trás um cachorro depois de cuidar dele por um certo tempo, disse-lhe uma vez quando ainda era criança e a família completa vivia numa casa em Ipanema pela qual passaram meia dúzia de cães. Os cachorros abdicam pra sempre de parte do instinto pra viver com as pessoas e nunca mais podem recuperá-lo por completo. Um cachorro fiel é um animal aleijado. É um pacto que não pode ser desfeito por nós. O cachorro pode desfazê-lo, embora seja raro. Mas o homem não tem esse direito, dizia o pai.”

 

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