Resenha de O homem de azul e púrpura, V. M. Gonçalves. Após muito pesquisar, após várias reflexões, Tolkien pôde compreender a essência da cultura europeia, com toda a sua diversidade de povos. Em sua época, povos ancestrais ainda conviviam com a população nova, fruto de diversas disputas, invasões, mestiçagens e trocas culturais, feitas de boa vontade ou não.
A industrialização estava avançando de forma assustadora e Tolkien, com toda a sua sensibilidade, percebeu que o mundo antigo estava se tornando apenas uma lembrança; e antes que essa lembrança se apagasse completamente, ele decidiu registrar em uma obra monumental tudo aquilo que pôde descobrir e compreender sobre os povos europeus.
Mas Tolkien não fez isso por meio de textos científicos, ele escolheu a linguagem da Fantasia para elaborar a sua obra, O Senhor dos Anéis, e a partir da realidade criou um universo paralelo, mascarando e enfeitando aquele mundo.
Talvez inspirado pela genialidade de Tolkien, Vilson Gonçalves fez algo parecido, ou talvez foi por inspiração da mesma Musa que soprou aos ouvidos do grande escritor; mas agora ela entoou uma nova canção, A Canção de Quatrocantos: o homem de azul e púrpura
Guiados pela Fantasia, Vilson Gonçalves nos convida a viajar no tempo e conhecer o mundo em que viviam os nossos antepassados na América.
Assim como Tolkien, Vilson cria a partir de fatos reais todo um universo com sua magia, seus povos encantados e seu dia a dia que faz a existência parecer uma grande aventura.
No primeiro volume, O Homem de Azul e Púrpura, conhecemos Wayra (vento, em Quechua), um comerciante aventureiro que, através de suas viagens por Quatrocantos, nos mostra toda a magia de um passado que não podemos esquecer.
Nesse primeiro contato com o mundo de Quatrocantos, através da narrativa cativante do autor, entramos nessa realidade; e parece que o que nos aguarda nos próximos volumes são histórias cheias de magia e aventuras, em um contexto que começa a ganhar o espaço que merece na Literatura.
Em O Homem de Azul e Púrpura podemos ver de perto a diversidade de povos da América Ancestral. As guerras, as civilizações, os contatos entre os povos, as lendas, costumes, enfim, todo o passado das terras que hoje chamamos de América é revelado através das descrições do autor; mas não da forma como faria um antropólogo ou um arqueólogo, tudo isso é revelado de forma muito viva, e podemos mesmo sentir os cheiros, os sabores e até a textura das roupas descritas.
O Homem de Azul e Púrpura: Cultura
O autor criou novos nomes para os povos e localidades, mas algumas características e algumas palavras nos dão a dica da relação entre a fantasia e a realidade. Foram feitas algumas misturas entre culturas diferentes, gerando povos que são fruto da imaginação do autor e, pelas descrições, me pareceu que toda a história desse primeiro volume se passa na América do Sul, tendo como inspiração principal os povos de origem Inca, que vão interagindo com outros povos do continente sul-americano, mas referências que remetem a construções e à cultura da América Central fortalecem a ideia de que, na verdade, a ambientação se passa em um universo criado pelo autor.
Talvez um leitor mais exigente sinta-se incomodado com alguns furos na revisão, mas isso não diminui a riqueza do conteúdo apresentado no texto.
A Canção de Quatrocantos é uma série que promete ser inovadora, e já começa muito bem com O Homem de Azul e Púrpura.
DESTAQUES:
Os wayar acreditavam que a terra era uma entidade viva e caprichosa. Um homem podia trabalhar a vida inteira em um único local e tirar do solo o seu sustento, se o destino permitisse, mas reclamar a posse da terra era algo que só podia ser concebido como loucura, broma ou ainda como uma atitude pretensiosa, irreverente e ofensiva aos deuses. A própria menção de tal disparate poderia causar a fúria de entidades mais fortes que qualquer exército.
Cap. II – Além das Montanhas.
Há gente que precisa abandonar a terra e se meter no meio da Grande Água para viver. Eles se acham sortudos, dizem que são ricos e que vivem como reis, mas o que isso quer dizer? Viver com a pele cheia de sal e areia, se arriscando no meio de piratas é viver como um rei? E ser rico a que fim? Um homem perdido em um lugar isolado do mundo, sem terra ou família, sem comida por perto, pode comer pedaços de turquesa ou esmeraldas ou concha-das-ilhas? Que tipo de riqueza é essa? E, no entanto, eles fazem isso. Tudo isso aprece loucura. Mas não podem estar todos loucos. Ou podem? Pukakiru
– . Cap. V – Um mundo em uma jangada.
Francélia Pereira é estudante de Letras; teve seu primeiro romance, Habitantes do Cosmos: Artemísia, publicado em 2015, pela Editora Buriti. A autora é apaixonada por Mitologia, Ficção Científica e Poesia.
Resenha enviada para Seção Colaboradores. Para quem ainda não sabe, blog pública textos, os chamados Guest Post, que é um post escrito por outra pessoa que não é o dono do blog. Para saber mais informações entre em contato.
Essa resenha foi publicada anteriormente no Blog: Cultura BR.