A forma da água, Guillermo Del Touro, Editora Intrínseca, é um romance que surpreende ao abordar o relacionamento entre uma criatura aquática e uma “humana” (aspas que quem leu vai entender). Muito mais do que uma simples história de amor, o livro explora temas de representatividade, racismo, misoginia, solidão e as angústias humanas. A obra utiliza uma linguagem acessível, porém envolvente, convidando o leitor a mergulhar nos dilemas pessoais e nas complexas relações sociais que permeiam a narrativa.
A forma da água: paranoia e segredos
Ambientado durante a Guerra Fria, com os EUA e a União Soviética disputando avanços científicos, A forma da água alterna a perspectiva entre personagens, proporcionando uma visão ampla das diferentes camadas de sua trama. O protagonista Richard Strickland é o encarregado de capturar o “deus Brânquia”, uma criatura amazônica, em uma jornada que destrói sua humanidade e o transforma em um homem amargurado. Já Elisa, uma mulher muda e órfã, ganha destaque por seu despertar ao longo da trama, especialmente após seu contato com o ser aquático, em uma narrativa que simboliza a busca por liberdade e autoconhecimento.
Os personagens secundários são um dos pontos altos da obra. Giles, o vizinho de Elisa, é um ilustrador fracassado e solitário, cuja luta interna por sua identidade como homem gay adiciona um toque emocional à narrativa. Zelda, a melhor amiga de Elisa, é uma mulher negra que luta por seus sonhos em um mundo opressor, enquanto Lainie, esposa de Strickland, representa as mulheres que sacrificam sua identidade em prol dos papéis de esposa e mãe.
O autor constrói um vilão memorável. Strickland é um personagem que encarna a toxicidade do poder e do machismo. A construção desse antagonista é tão eficaz que o leitor desenvolve aversão imediata por ele. A alienação de Strickland, por exemplo, pode ser vista como uma metáfora para a desumanização que ocorre em tempos de guerra. Ele se torna um mero executor de ordens, perdendo sua individualidade.
Por outro lado, Elisa, apesar de sua aparente fragilidade, revela-se uma personagem forte e complexa, cujo arco de desenvolvimento é impulsionado pela relação com a criatura aquática.
Embora o livro não seja uma obra-prima, sua capacidade de tocar em temas atuais e relevantes, como preconceito racial e de gênero, solidão e repressão, o torna uma leitura valiosa. A narrativa é fluida, com capítulos curtos que mantêm o ritmo, e as ilustrações presentes na edição física adicionam uma camada estética interessante. A forma da água é recomendada para quem gosta de contos de fadas modernos com uma dose de erotismo e crítica social.