A Fúria é um daqueles livros que precisamos ler várias vezes ao longo da vida, pois cada leitura trará um novo significado e uma nova percepção, tenho certeza.
A Fúria reúne 34 contos da escritora argentina Silvina Ocampo, alguns mais longos, outros bastante curtos. Neles todos, perpassa uma certa perversidade. Não sei se essa é a palavra mais adequada, mas o fato é que as crianças, por exemplo, não são criaturas inocentes como costumamos acreditar. Os personagens são, em sua maioria, crianças e idosos.
A linguagem é outro ponto alto. Não posso dizer que é uma linguagem complexa, mas também não é simples. As construções das frases e dos períodos são tão sofisticadas que, como mencionei no início, os significados não se revelam em uma primeira leitura. É impressionante o que ela faz com a linguagem. Fica claro que a autora era uma mulher de grande cultura. Acredito que um dos objetivos de quem escreve é ter esse domínio da linguagem.
O primeiro conto, A Lebre Dourada, é um tanto nonense e um dos que mais me agradou, com A Continuação, O Mal, Inferno e A Fúria.
Em A Lebre Dourada, Jacinto conta a uma criança a história de uma lebre que tem comunhão com Deus e com os anjos intrépidos. Um dia, vários cachorros correm atrás dela para matá-la, mas ao longo da corrida tudo fica maluco e a lebre acaba confundindo os cachorros.
Tenho verdadeira fascinação por metáforas que evocam tipos de olhar. Uma das minhas preferidas é “olhos de viva mosca”, de Guimarães Rosa, no conto Desenredo.
Silvina tem preferência por “olhos de hiena”. Ela usa esse recurso em diferentes contos.
“Se o vento ruge a ti feito um tigre e a pomba angelical te olha com olhos de hiena, se um homem requintado que cruza a rua vai vestido de andrajos lascivos;”
“Seus olhos brilhavam, só agora me dou conta, como os das hienas. Fazia-me lembrar uma das Fúrias.”
A Fúria: alguns temas recorrentes
1. Inocência e Perversidade
- A autora, frequentemente, explora a dualidade entre a inocência das crianças e a perversidade que pode habitar dentro delas. As crianças em seus contos muitas vezes têm comportamentos sombrios, desafiando a ideia tradicional de inocência.
2. A Natureza Humana
- Ocampo investiga aspectos complexos da natureza humana, revelando suas fragilidades, medos e desejos ocultos. Os personagens costumam ser multifacetados, mostrando que a moralidade nem sempre é clara.
3. Fantasia e Realidade
- A mistura de elementos fantásticos com a realidade é uma marca registrada de sua obra. O que parece ser um conto simples pode rapidamente se transformar em algo surreal, questionando as percepções do mundo.
4. A Morte e o Medo
- Muitos contos abordam a morte e o medo que ela gera. Ocampo utiliza esses temas para refletir sobre a fragilidade da vida e a inevitabilidade do fim.
5. A Condição Feminina
- A experiência feminina é explorada de maneira sutil, com personagens que lidam com expectativas sociais, repressão e a busca por liberdade.
6. Olhares e Percepções
- Os tipos de olhar e as formas de ver o mundo são recorrentes. Ocampo usa metáforas visuais para discutir como a percepção influencia a compreensão e a interação com a realidade.
Em a Fúria, esses temas se entrelaçam de maneira complexa, criando uma rica tapeçaria de significados que convidam à reflexão e à reinterpretação a cada nova leitura.

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